«Era o Dr. José Pereira Lemos,
médico distinto, dotado de rara intuição no diagnóstico de uma doença e
competentíssimo na medicação, figura bíblica nas suas barbas patriarcais emoldurando
um rosto prazenteiro que era, só de vê-lo à cabeceira, o melhor remédio para
levantar as forças do doente».
Poucos serão os sobrevivos, seus
contemporâneos. Quem haverá hoje que se recorde da sua figura erecta, descendo
de Beduído ao Ameal, Fontes ou Calvães, a visitar os seus doentes, a pé se o
tempo o permitia, ou montado numa alimária, sobre a qual percorria os mais
ínvios caminhos daquele tempo em que não havia automóveis, não só desta, mas
das freguesias à roda?
A obra dos grandes homens sobrevive
a eles, na recordação dos seus feitos e das suas virtudes. Por isso, se a
figura física do Dr. José Pereira Lemos não pode ser lembrada pelos que
nasceram dentro dos últimos sessenta anos, é um dever de todos os que o podem
fazer, lembrar aos vivos e fixar na chapa em que se escreve a História, a
personalidade deste homem, para que se não extinga na alma do povo o clarão que
a sua passagem pela terra deixou, para exemplo dos vindouros.
E quanto teriam que aprender com
este médico, morto há 42 anos, os médicos de hoje, se lhe fosse possível
contactar com eles! No campo científico e no moral. As coisas têm-se modificado
de tal forma nestas quatro décadas, que um médico de aldeia, actualmente, não
sei como seria capaz de criar e educar quatro filhos todos varões, dando a
todos um curso superior. Pois isto, que já naquele tempo era um milagre,
conseguiu-o o Dr. José Pereira Lemos, que não tinha fortuna.
Foi o seu saber, a grande fama do
seu saber, que operou este milagre, porque, essa fama chamava-o aos mais
longínquos pontos destas redondezas, aos mais inóspitos lugarejos das serranias
onde agonizava uma pessoa que precisava de ser arrancada às fauces da morte.
Vivem, na verdade, hoje poucos
que se possam lembrar do Dr. José Pereira Lemos. Mas com certeza ainda são
vivos muitos a quem ele, com as suas mãos maravilhosas, entregou à vida,
condenados como estavam a morrer sem chegarem a ver a luz do dia.
E a luz era ele, quando entrava
no lúgubre tugúrio do pobre, que nem recursos tinha para mandar buscar os remédios.
Era a luz, porque o seu sorriso
iluminava o ambiente e alegrava a alma do enfermo, que se sentia imediatamente
melhor ao fixar os olhos embaciados naquele rosto sorridente e prazenteiro; e
porque, ao retirar-se, deixava, às escondidas, a moeda que na farmácia era o
preço da saúde que iria salvar o doente.
Já leram a história de João
Semana, nas «Pupilas do Senhor Reitor»?
Eu considero este livro de Júlio
Dinis tanto o romance dos amores de Daniel e Margarida, como a história do
médico João Semana.
Há apenas esta grande diferença:
não consta que João Semana das Pupilas tivesse filhos para educar, ao passo que
o nosso João Semana tinha quatro, que educou com uma sólida educação e sempre
com o seu admirável busto erecto.
(in Mensagem de 15 de janeiro de
1958)
António Augusto de Miranda
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