Recordando, agosto de 1956

Os ninhos são, na aldeia, uma das maiores atrações dos rapazes.
O nível de educação da gente rural é muito baixo entre os portugueses, por isso a criança não encontra no seio da família um ambiente que a eduque pela palavra e pelo exemplo. Os próprios adultos não têm pelos ninhos das aves silvestres o respeito e o carinho que lhes devia merecer esse trabalho maravilhoso, produto do instinto dos seres alados a quem os lavradores deviam ser gratos pelos benefícios que eles lhes prestam na extinção das pragas que infestam os pomares e as hortas. Por isto, e também pela beleza que as aves emprestam à paisagem, e ainda por uma questão de humanidade.
Há dias, aqui perto da minha casa, num caminho bordado por espessa combreira de arbustos e silvas, andavam dois rapazes ocupados na destruição de ninhos de pássaros. Ralhei-lhes, pretendendo fazer-lhes ver a desumanidade do seu acto. Perguntei-lhes se gostariam que lhes destruíssem a casa de seus pais, onde eles haviam nascido e eram criados.
Que pergunta a minha, que os deixou de olhos pouco menos que esbugalhados! Nunca a questão lhes havia sido posta em tais termos, e por isso devem ter-me considerado um velho semi-louco, se não de todo varrido.
Com inteira propriedade o Ministério da Instrução passou a designar-se por Ministério da Educação Nacional, uma vez que a escola não se destina só a ensinar a ler, escrever e contar, mas também, e de uma forma geral, a educar, isto é, a desenvolver as faculdades físicas, morais e intelectuais da criança. O pior é que a escola, em Portugal, pouco ou nada tem feito além do ensino, e é uma dor de alma verificar a falta de educação da gente nova.
Mas voltemos aos ninhos. Eu também era apaixonado por eles. Ainda me lembro de uma vez ter, juntamente com outros companheiros, faltado à escola para ir aos ninhos. Não sei como isto chegou ao conhecimento de minha mãe. Ela não esteve com meias medidas. Isto não era com ela. Pegou na palmatória e pôs-se a caminho até me encontrar. Foi o cabo dos trabalhos. Não me zurziu por eu andar aos ninhos, mas por faltar à escola. Nunca mais faltei sem motivo justificado.
Outra modalidade de brincadeira eram os jogos, dos quais destaco o pião e a bilharda, este parece-me posta de parte pelos rapazes de hoje. Mas não me admiro disso, porque a bilharda era um jogo másculo, viril, duro, e a juventude de hoje parece interessar-se pouco por jogos dessa natureza, tirante o pontapé na bola.
(in Mensagem de 15 de agosto de 1956)

António Augusto de Miranda

Sem comentários: