(continuação da Mensagem de janeiro de 1956)
E outros, outros mais – proprietários respeitáveis, alguns deles tendo adquirido um verniz de civilização em terras estranhas, onde amealharam alguns cabedais. Quem conheceu Joaquim Angelino de Azevedo, tão simpático e bondoso, tão meu amigo, sempre pronto a perdoar-me as constantes arrelias que eu dava ao papagaio que ele tinha preso na gaiola do alpendre, o qual era o meu enlevo na sonora e rápida resposta à pergunta que eu não me cansava de lhe fazer:
E outros, outros mais – proprietários respeitáveis, alguns deles tendo adquirido um verniz de civilização em terras estranhas, onde amealharam alguns cabedais. Quem conheceu Joaquim Angelino de Azevedo, tão simpático e bondoso, tão meu amigo, sempre pronto a perdoar-me as constantes arrelias que eu dava ao papagaio que ele tinha preso na gaiola do alpendre, o qual era o meu enlevo na sonora e rápida resposta à pergunta que eu não me cansava de lhe fazer:
– Papagaio real, quem passa?
– El-rei, que vai pr’á caça.
Era numerosa a descendência deste
respeitável chefe de família, e interessante pela singularidade de ser
constituída por nove raparigas, criadas no ambiente cristão deste lar exemplar.
E mais, e mais, uns à missa da
manhã, que era rezada pelo Padre Venâncio da Fonte, ajudado pelo Amador, quando
este preferia ir à missa da manhã, porque, se não ia, era infalível à
conventual, rezada pelo Prior António Emílio de Almeida Azevedo, de cabeça toda
branca mas sem falta de um só cabelo, que tinha uma voz que fazia vibrar as
paredes da igreja quando entoava uma litania e as almas dos fregueses quando
passava uma descompostura.
O cavaco era interrompido pelo
toque de campainha que o sacristão, Manuel Vieira Alexandre, que o Prior
trouxera da sua terra, Costa do Valado, tangia logo que o Prior acabava de se
paramentar. Ouvido o sinal, lá ia o grupo, entrando com todo o respeito pela
porta da sacristia, ajoelhando todos na capela-mor, devotamente ouvindo a
missa. E como frutificava este exemplo das pessoas mais importantes da
freguesia, concorrerem assim no acto religioso!
Eu, que de muito menino fui
habituado a ir à missa, assistia a ela, nos primeiros tempos, muito alheio ao
que o padre fazia (porque, diga-se a verdade, o que ele dizia só os doutores,
que a ouviam, podiam entender). A minha atenção esvoaçava entre a careca do Dr.
Nogueira, que reluzia à luz vinda das janelas do lado Nascente, e as figuras
dos dois anjos que ladeiam a escada do altar-mór, os quais ainda lá estão, cada
um deles empunhando pesado candelabro, e que pareciam sorrir-me (e iria apostar
que algumas vezes os vi sorrirem para mim) quando eu, contemplando-os e
admirando-os no seu esforço, me punha a pensar na habilidade do escultor que
assim conseguiu fazer aquelas figuras de anjos tão belos, de rostos animados
por uma expressão tão humana, que pareciam gente. Havia outras imagens nos seus
nichos ou altares, mas nenhuma que me seduzisse como aqueles dois anjos, que,
para mais, eram muito maiores do que eu. Lá estava, por exemplo, a Santa
Marinha, padroeira da freguesia, estátua pequena que, representando uma pessoa
adulta, eu não compreendia que fosse tão pequena.
Quando a campainha soava,
anunciando o Sanctus, era o despertar do meu distraimento. A campainha! Eu
ainda não podia tangê-la, que ela era pesada. Como eu ambicionava tocá-la, como
os outros rapazes, já mais crescidos, enquanto o sacristão subia à torre, a dar
sinal, nos sinos, do grande momento da missa! E como eu ambicionava responder
aos versículos do sacerdote, no diálogo litúrgico que antecede o Prefácio, aos
quais, quando não era o sacristão a ajudar à missa, cumpria responder a
qualquer dos assistentes, porque a subida à torre não dava ao sacristão tempo
para isso:
– Per omina saecula saeculorum.
– Amen.
– Dominus vobiscum.
– Et cum spiritu tuo.
– Sursum corda.
– Habemus ad Dominum.
– Gratias agamus Domino Deo
Nostro.
– Dignum et Justum est.
(continua na Mensagem de março de 1956)
(continua na Mensagem de março de 1956)
(in Mensagem de 15-02-1956)
António Augusto de Miranda
Sem comentários:
Enviar um comentário