A leitura do último número de
“Mensagem” recorda o 12.º aniversário do falecimento de uma das figuras que
mais direitos conquistou à gratidão do povo desta freguesia — o major Joaquim
da Silva Geraldo.
Poucos homens tenho conhecido, na
minha já longa vida, que, como o major Geraldo, tanto tenham dispersado a sua
existência a favor do seu semelhante.
Dotado de um arcabouço atlético
que parecia desafiar a longevidade, a final sucumbiu suavemente a um ataque
insidioso de uma angina pectoris, mal
que costuma instalar-se, subrepticiamente, no interior dos organismos os mais
robustos, pelo menos aparentemente. Fechou suavemente os olhos, como uma
criança quando adormece, aqueles olhos grandes, cheios de vida, como dois
holofotes esparzindo luz a jorros, deixando este mundo numa idade em que o seu
espírito cintilante e a sua vontade enérgica prometiam largas realizações.
Não sendo desta terra, a ela se
ligou pelo casamento, mas com laços de tal solidez, que todo se entregou a esta
freguesia, pela qual trabalhou incansavelmente até ao momento imprevisto em que
a morte cortou, de um golpe, o fio daquela existência preciosa.
Conheci-o, primeiramente, pelas
referências que da sua personalidade me chegaram. O major Geraldo não era só um
grande militar e um respeitável cidadão: era também um grande educador, um
excepcional chefe de família. Era um verdadeiro modelador de almas, que
amoldava ao seu carácter como o oleiro faz ao barro. Comecei por conhecê-lo
pelo meu casamento com a senhora que, de pequena, lhe fora entregue e cuja
existência ele acompanhou até à puberdade. Por ela eu soube os primores que
continha aquela alma diamantina, que Agostinho de Campos, se o tivesse
conhecido, teria colocado, mentalmente, a chefiar a sua excelente “CASA DE
PAIS, ESCOLA DE FILHOS”.
Verdadeiro pedagogo e sem curso
diplomado, ele fazia corresponder ao que, pelo exemplo e pela palavra, ensinava
em casa, a sua conduta na rua, no quartel e na repartição.
Não era oficial combatente.
Pertencia à Administração Militar. Se fosse oficial combatente, teria exposto a
sua vida aos estragos das balas e das intempéries com a galantaria de um
cavaleiro andante. Mas nas funções burocratas que lhe estavam confiadas, ele
expôs ao máximo as suas qualidades de pundonor, honra e honestidade. Em
qualquer posto um homem pode servir com o máximo de utilidade que as suas
funções comportam. E no exercício das suas funções de Chefe de Departamento
que, se a memória me não atraiçoa, se chamava “Depósito Central de
Fardamentos”, o major Joaquim da Silva Geraldo revelou a profundidade do filão
diamantífero que era a sua alma.
Não merece a pena relatar
misérias. Foi em tempo de guerra, que a época daninha das grandes negociatas
com prerrogativas de impunidade. Foi numa época dessas que o major Geraldo
travou, nos bastidores da sua repartição, uma das maiores batalhas da sua
época. Dessa batalha saiu ele triunfante; e se, ao abandonar o quartel, não
ostentou as medalhas que costumam esmaltar o peito dos heróis, mostrava o rosto
radiante de felicidade e trazia a consciência leve como a neblina a esvoaçar ao
sol da manhã.
Veio depois fixar residência em
Alquerubim. Não sendo agricultor, as suas lições eram de um sábio que houvesse
cursado com o maior proveito a melhor escola agrária. Não sendo um jurista, as
suas decisões, como presidente da Junta de Freguesia, eram dignas do mais
abalizado administrativista; e, não sendo capitalista, as suas liberalidades
muitas vezes supriam a deficiência orçamental, em detrimento da sua bolsa.
O major Joaquim da Silva Geraldo
era o que os ingleses chamam the right
man in the right place, o homem competente no seu devido lugar.
Muito lhe ficou a dever esta
freguesia, quer em favores particulares, quer em benefícios públicos. De mais
larga projecção, atestam-no a Casa do Povo e o edifício dos Correios.
Nada lhe faltou para merecer a
consideração da posteridade. Até a ingratidão dos homens.
(in Mensagem de 15 de dezembro de
1959)
António Augusto de Miranda
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