O Fial é um dos lugares cujo
somatório constitue o que se chama Alquerubim. Fica ali a dois quilómetros,
mais ou menos, estendendo-se ao longo de uma levada por cerca de um quilómetro;
e porque parte fica numa baixa, e outra parte numa pequena elevação, costuma-se
designar a parte baixa por Fial de Baixo e a superior por Fial de Cima. Creio
que é o lugar mais pobre da freguesia, embora me pareça que não é o menos
populoso.
A razão desta diferença de
riqueza deriva, suponho, da pobreza do solo, pois o Fial é pobre em terrenos
aráveis. O seu solo, inclinado e montesino, está quase todo revestido de
pinheiros e repartido em propriedades particulares, pertencentes, na sua
maioria, a pessoas residentes noutros lugares.
A maior parte da sua população
vivia, outrora, da levada que atravessa o lugar e que fazia mover as azenhas
ali existentes. Toda a freguesia e muita gente das freguesias vizinhas mandava
moer nas azenhas do Fial o milho das suas arcas. Algumas vezes encontrei a tia
Rita Charola, e uma ou outra moleira, guiando o seu macho ajoujado de foles,
nos caminhos de Eirol, Requeixo. Segadães, S. João de Loure.
A levada, ao fim e ao cabo, era
uma riqueza, porque dela viviam algumas dezenas de famílias, cujo pão saía da
maquia que ao moleiro competia separar para retribuição de seu trabalho.
Fotografias desse tempo, que
ainda conservo, recordam alguns quadros, cheios de poesia, dessa região
paradisíaca que era o Fial antigo, quando ainda a máquina não invadira as
aldeias para triturar o milho dos lavradores. Hoje, deve haver muito poucos
moleiros no Fial, considerada a abundância de fábricas e fabriquetas de moagem
que se espalharam pelas terras que eram logradouro profissional dos moleiros do
Fial, e em vista da raridade do aparecimento de um burro carregado de foles, na
freguesia.
No entanto, o Fial cresceu. Já
ali se notam algumas vivendas modernas, e em virtude do crescimento da
população e da obrigatoriedade da frequência da escola primária, o Estado criou
ali uma escola, por o número de crianças em idade escolar assim o exigir.
Já lá vai o tempo em que o saudoso
velho Frias, quando vinha a Alquerubim
(assim diziam e ainda hoje dizem os habitantes do Fial, quando vinham a Fontes,
e creio que diziam muito bem) e se demorava a conversar na loja do Júlio de
Castro, que era o ponto de mais distinção nas horas de lazer e foi onde conheci
o simpático velho — dizia assim:
— O Fial é uma África!
Queria ele com isto significar
que o lugar do Fial se podia comparar às terras de África, quanto a progresso.
Se vivesse hoje, o velho Frias não podia dizer isso. Não porque o Fial se tenha
desenvolvido no mesmo ritmo das terras de África. Falta muito ao Fial para
acompanhar o resto da freguesia. A circunstância de estar afastado, entre
pinhais, como que o torna esquecido. O seu isolamento provém de não ter uma
estrada que, partindo do coração da freguesia, o atravesse de uma ponta a outra
e o ligue pelo Norte com a sede do concelho. Por outras palavras: precisa que o
caminho que o atravessa seja posto em condições de poder ser transitado por
toda a espécie de carros e em condições de comodidade e segurança dos seus
ocupantes — isto é, uma boa estrada.
O Fial nem sequer ainda está
electrificado, ainda usa o antiquado candeeiro de querosena, quando não é o
arreliento gasómetro de carboneto. Não pode continuar assim. Eu sei que a Câmara
do concelho tem em estudo a electrificação daquele lugar, que, pela distância a
que fica, necessita de uma instalação cara, e possivelmente não tem um poder de
absorção de energia eléctrica que compense. Mas pela boa vontade que noto nas
entidades competentes, creio que a realização deste melhoramento está para
breve.
Oxalá os meus prognósticos se
realizem, e não só quanto a electricidade, como também quanto à estrada. Quanto
a esta, é uma questão de consertar a que existe tanto na parte que vai de Fontes
ao Fial, como a que segue para o Norte do lugar, bem como o troço que vai para
o Salgueiral.
Há um rifão que se aplica ao caso
e é muito expressivo: «o Sol, quando nasce, é para todos». A freguesia de
Alquerubim, noutros tempos (no tempo do incansável Manuel Maria Amador e do
prestante alquerubinense Dr. João Eduardo Nogueira e Melo), orgulhava-se das
suas estradas, apesar da grande extensão da sua área, que exige uma extensa
rede rodoviária. Depois caiu no marasmo quanto a estradas, que chegaram a um
estado de abandono que não tinha explicação. Ultimamente, o Estado e a Câmara,
cada um no seu sector, dispuseram-se a pôr um pouco de ordem naquele caos, e
estamos na situação de podermos ligar com a estarda Nacional 1, no sítio da
Mala-Posta, com fácil ligação com a sede do concelho, e na fundada esperança de
podermos comunicar fàcilmente com a sede do distrito, quando acabar de ser
consertado o troço da estrada que vai daqui para Aveiro, via S. João de Loure,
na extensão de três quilómetros e meio.
Ora o Fial, parte integrante da
freguesia, precisa de entrar na órbita do momento. Demais, êle já não é a terra
que quase vivia exclusivamente das azenhas. A emigração para o Brasil e
Venezuela tem-lhe introduzido sangue novo nas veias, e, com o sangue, nova vida
e novas necessidades, que exigem medidas mais progressivas.
(in Mensagem de 15 de junho de 1960)
António Augusto de Miranda
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