Recordando, junho de 1960


O Fial é um dos lugares cujo somatório constitue o que se chama Alquerubim. Fica ali a dois quilómetros, mais ou menos, estendendo-se ao longo de uma levada por cerca de um quilómetro; e porque parte fica numa baixa, e outra parte numa pequena elevação, costuma-se designar a parte baixa por Fial de Baixo e a superior por Fial de Cima. Creio que é o lugar mais pobre da freguesia, embora me pareça que não é o menos populoso.
A razão desta diferença de riqueza deriva, suponho, da pobreza do solo, pois o Fial é pobre em terrenos aráveis. O seu solo, inclinado e montesino, está quase todo revestido de pinheiros e repartido em propriedades particulares, pertencentes, na sua maioria, a pessoas residentes noutros lugares.
A maior parte da sua população vivia, outrora, da levada que atravessa o lugar e que fazia mover as azenhas ali existentes. Toda a freguesia e muita gente das freguesias vizinhas mandava moer nas azenhas do Fial o milho das suas arcas. Algumas vezes encontrei a tia Rita Charola, e uma ou outra moleira, guiando o seu macho ajoujado de foles, nos caminhos de Eirol, Requeixo. Segadães, S. João de Loure.
A levada, ao fim e ao cabo, era uma riqueza, porque dela viviam algumas dezenas de famílias, cujo pão saía da maquia que ao moleiro competia separar para retribuição de seu trabalho.
Fotografias desse tempo, que ainda conservo, recordam alguns quadros, cheios de poesia, dessa região paradisíaca que era o Fial antigo, quando ainda a máquina não invadira as aldeias para triturar o milho dos lavradores. Hoje, deve haver muito poucos moleiros no Fial, considerada a abundância de fábricas e fabriquetas de moagem que se espalharam pelas terras que eram logradouro profissional dos moleiros do Fial, e em vista da raridade do aparecimento de um burro carregado de foles, na freguesia.
No entanto, o Fial cresceu. Já ali se notam algumas vivendas modernas, e em virtude do crescimento da população e da obrigatoriedade da frequência da escola primária, o Estado criou ali uma escola, por o número de crianças em idade escolar assim o exigir.
Já lá vai o tempo em que o saudoso velho Frias, quando vinha a Alquerubim (assim diziam e ainda hoje dizem os habitantes do Fial, quando vinham a Fontes, e creio que diziam muito bem) e se demorava a conversar na loja do Júlio de Castro, que era o ponto de mais distinção nas horas de lazer e foi onde conheci o simpático velho — dizia assim:
— O Fial é uma África!
Queria ele com isto significar que o lugar do Fial se podia comparar às terras de África, quanto a progresso. Se vivesse hoje, o velho Frias não podia dizer isso. Não porque o Fial se tenha desenvolvido no mesmo ritmo das terras de África. Falta muito ao Fial para acompanhar o resto da freguesia. A circunstância de estar afastado, entre pinhais, como que o torna esquecido. O seu isolamento provém de não ter uma estrada que, partindo do coração da freguesia, o atravesse de uma ponta a outra e o ligue pelo Norte com a sede do concelho. Por outras palavras: precisa que o caminho que o atravessa seja posto em condições de poder ser transitado por toda a espécie de carros e em condições de comodidade e segurança dos seus ocupantes — isto é, uma boa estrada.
O Fial nem sequer ainda está electrificado, ainda usa o antiquado candeeiro de querosena, quando não é o arreliento gasómetro de carboneto. Não pode continuar assim. Eu sei que a Câmara do concelho tem em estudo a electrificação daquele lugar, que, pela distância a que fica, necessita de uma instalação cara, e possivelmente não tem um poder de absorção de energia eléctrica que compense. Mas pela boa vontade que noto nas entidades competentes, creio que a realização deste melhoramento está para breve.
Oxalá os meus prognósticos se realizem, e não só quanto a electricidade, como também quanto à estrada. Quanto a esta, é uma questão de consertar a que existe tanto na parte que vai de Fontes ao Fial, como a que segue para o Norte do lugar, bem como o troço que vai para o Salgueiral.
Há um rifão que se aplica ao caso e é muito expressivo: «o Sol, quando nasce, é para todos». A freguesia de Alquerubim, noutros tempos (no tempo do incansável Manuel Maria Amador e do prestante alquerubinense Dr. João Eduardo Nogueira e Melo), orgulhava-se das suas estradas, apesar da grande extensão da sua área, que exige uma extensa rede rodoviária. Depois caiu no marasmo quanto a estradas, que chegaram a um estado de abandono que não tinha explicação. Ultimamente, o Estado e a Câmara, cada um no seu sector, dispuseram-se a pôr um pouco de ordem naquele caos, e estamos na situação de podermos ligar com a estarda Nacional 1, no sítio da Mala-Posta, com fácil ligação com a sede do concelho, e na fundada esperança de podermos comunicar fàcilmente com a sede do distrito, quando acabar de ser consertado o troço da estrada que vai daqui para Aveiro, via S. João de Loure, na extensão de três quilómetros e meio.
Ora o Fial, parte integrante da freguesia, precisa de entrar na órbita do momento. Demais, êle já não é a terra que quase vivia exclusivamente das azenhas. A emigração para o Brasil e Venezuela tem-lhe introduzido sangue novo nas veias, e, com o sangue, nova vida e novas necessidades, que exigem medidas mais progressivas.
(in Mensagem de 15 de junho de 1960)
António Augusto de Miranda

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