Da cidade do Cabo seguiu o navio
para Lourenço Marques, após um dia de demora naquele porto. Naquele tempo, os
navios de passageiros gastavam o mínimo de quatro dias do Cabo a Lourenço
Marques, e creio que nós levámos cinco. Um navio, quando dava 12 milhas à hora,
era de bom andamento. Hoje, os navios de passageiros da carreira da África
Oriental dão para cima de 16 milhas, creio que chegam a dar 18.
Lourenço Marques é uma cidade que
fica escondida dos olhos de quem passa em frente da sua baía e mesmo de quem
demanda o porto. Em primeiro lugar por causa da distância a que fica da entrada
da barra: desde aqui até ao cais de atracação, gasta o navio cerca de duas
horas. Em segundo lugar, é a posição da cidade, que quase toda se espraia na
planura da Polana, e não a deixa ver de perto. Até há poucos anos atrás,
atracava-se ao cais e ainda não se via a cidade. Apenas víamos, desde a barra,
a silhueta do Hotel da Polana, e, já perto do cais, viam-se as instalações
portuárias e muito pouca coisa da cidade baixa. Hoje a baixa fica mais ou menos
ligada à alta, destacando-se, das construções da baixa, a mole da Catedral com
a sua elegante torre.
A baixa era principalmente
constituída pelas ruas primitivas da cidade, de pequena largura, como era o
costume da época. Mas uma coisa me feriu a atenção: todas as ruas da cidade
estavam asfaltadas, de esplêndido piso. Eu, que ia de uma metrópole que, em
matéria de estradas urbanas e interurbanas, era uma miséria, comparando este
estado de coisas, perguntava a mim mesmo qual das duas estava mais adiantada: a
metrópole ou a colónia?
Outra coisa que me surpreendeu
foi a ante-visão dos pioneiros construtores da cidade, abrindo avenidas de uma
largura como eu só tinha visto em Lisboa, na parte mais nova da capital.
Lourenço Marques, tiradas meia dúzia de ruas que constituem a primitiva baixa,
é toda rasgada por avenidas de uma largura e de comprimento que desafiam o
futuro.
As artérias que atravessam a
cidade de Norte a Sul («Vinte e Quatro de Julho» e «Pinheiro Chagas», por
exemplo) têm mais de cinco quilómetros de comprido e bem três dezenas de metros
de largo, com duas faixas de rodagem e uma placa ao meio, com três largos
passeios a cimento, um de cada lado, e outro ao centro. Outra particularidade
que notei foi a profusão de árvores que povoam a cidade. Como aquilo, em África
só Durban, a cidade-jardim da União Sul-Africana, capital do Natal.
Vimos a cidade à vol-dóiseau, porque a demora do navio
ali, foi curta, como é costume com os navios da Costa Oriental, embora se
tratasse de uma viagem extraordinária, como foi aquela viagem do «Moçambique» à
província do mesmo nome.
De Lourenço Marques seguimos para
a Beira, que foi o termo da nossa viagem por mar.
A Beira, cidade portuguesa?!...
O caso pôs-me logo em dúvida,
quando pusemos pé no escaler que nos conduziu a terra, ao ouvir falar inglês em
vez do português e ao pedirem-me shillings
(dinheiro de prata, inglês) para pagar a travessia.
Como se sabe, a Beira, e uma
vasta porção da Província, de que aquela cidade era capital, estiveram durante
50 anos sob o governo total (inclusive a soberania nacional) da Companhia de
Moçambique. A Beira e o seu território eram, pelo contrato da Companhia com o
Governo Português, considerados território estrangeiro. Mercadoria desembarcada
em qualquer ponto do território, fosse qual fosse a proveniência, pagava
direitos alfandegários à Companhia.
Com tais poderes majestáticos,
gozando de todos os direitos inerentes à sua situação, era de esperar que
cumprisse os correlativos e recíprocos deveres para com um território e
população cuja produtividade e actividade estava a explorar.
Afinal, o que eu encontrei foi
uma pequena povoação fundada em uma língua de areia, em cujas ruas não
circulava um carro de qualquer género, a não ser os pequenos vagões de quatro
rodas, rolando sobre carris e empurrados por pretos. Eram os únicos veículos
que utilizava a população, mas de que eram senhores e possuidores as pessoas
que tinham posses para isso. Tinha-se um carro daqueles como hoje se possui um
automóvel. Em que se apoiava tanta vaidade como a que mostrava a gente que
povoava a cidade da Beira?
A resposta fica para outro
número.
(in Mensagem de 15 de novembro de 1959)
António
Augusto de Miranda
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