Um homem culto


Uma «mocinha» minha amiga, a Mila, de quem gosto muito e que dá as gargalhadas mais cristalinas do mundo, mandou-me do Porto, onde vive, um e-mail dizendo-me que tinha gostado do post Um homem culto.
É o texto do e-mail da resposta que lhe dei, em 20 de Fevereiro, que vou reproduzir aqui, para o Rui, para o Eduardo e para o Daniel.

Mila:
No silêncio da sala, na mais completa escuridão, percutiam, no silêncio cansado das nossas almas, os acordes da quinta sinfonia de Beethoven. Deitados no chão atapetado, estávamos – jazíamos – extenuados três amigos. Tínhamos terminado as últimas provas académicas de final de curso, muito duras. Daí que tivéssemos resolvido tentar esquecer tudo o que tínhamos aprendido e deixar entrar, dentro de nós, para nos lavar a alma, restituindo-lhe a pureza, torrentes de notas musicais, amorosamente entrelaçadas por almas de artistas inspiradas por Deus, como se fossem chuvas de sons vindos do infinito entornadas em nós. Em certo momento – e sem que nenhum de nós soubesse quem era – apercebemo-nos de que alguém, silenciosamente, entrara na sala e se sentara num maple, ficando também, como nós, de olhos fechados só a ouvir, como se estivesse unido a nós, em prece, a rezar a mesma oração. Soube depois que o senhor era afinal o dono da casa, pai de um de nós, naquela noite chegado do estrangeiro. E depois, quase com ternura, como se fosse pai dos três, falou-nos da quinta sinfonia e depois da nona e falou da poesia de Schiller e de Goethe e das representações das diversas óperas a que assistira, cantadas pelos artistas mais famosos, em diversas partes do mundo, mostrando uma erudição e uma sensibilidade fora do vulgar. Era um poeta e na vida real era juiz. Um homem culto era ainda, e sobretudo, o pai de um dos homens mais puros que conheci e um dos melhores amigos que tive na vida, o Fernando Miranda. E era avô da Mila.

Um abraço do Buba para todos, por si mesmo e em representação da 3ª idade. Por antiguidade. Sem esquecer o Ivan, da Praia, que é o autor moral desta semente de amizade entre pessoas, algumas das quais nem se conhecem pessoalmente; não são todas da mesma faixa ideológica; e nem sequer são todas da mesma geração. Só por isso, julgo, o Buba já valeu a pena. 

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