Não sei como hei-de cumprir a
promessa feita ao bom e querido Padre Miguel. Já hoje são 5, dia aprazado para
a entrega do original, e este está no começo, correndo o risco de não chegar ao
fim…
É que uma teimosa, impertinente e
maçadora constipação, que já meteu remédios da farmácia e receita de médico,
conquistando assim a elevada categoria de gripe,
há duas semanas que não me deixa pôr o nariz fora de casa e — o que é pior — me
indispõe para todo o trabalho: mental ou físico. Ao longo da minha já longa
vida, tenho apanhado muitas constipações e algumas gripes, mas da força desta é que não me lembra de ter tido alguma.
Vingou-se bem de mim, o Mar, de
quem eu não me fartava de dizer mal. Banhos de mar? gosto e tomei muitos a
bordo, em água morna. Mas na água fria do Mar, na praia, tomei-lhes tal aversão
em pequeno, que ainda hoje os detesto. E isto foi só molhar os pés: o que não
seria se tivesse imergido o corpo todo!
A primeira vez que travei
relações com o Mar tinha eu uns 9 ou 10 anos. Há quantos anos isso lá vai,
sabendo-se que eu sou já um Matusalém, embora de via reduzida, pois o da Bíblia
morreu com muitos centos de anos.
Apesar de tanto tempo decorrido,
ainda me lembro de que o percurso para a Torreira, a praia da moda da gente
daqui, desse tempo, se faz de barco, segundo o costume. Havia em Eirol, perto
da actual fábrica de serração dos srs. Póvoas, um barqueiro, conhecido pelo
Manuel Barqueiro, que, além de barqueiro, também era pescador, e algumas vezes
lá fui saborear boas caldeiradas de brasinos, pescados no rio em marés de
enchente. Tinha ele um grande barco, no qual transportava para a Torreira, no
tempo de banhos, as pessoas que escolhiam aquela praia. Naquele tempo, era
costume cada um levar para a praia lenha e mantimentos e tudo o que pudesse
fazer arranjo. Calcule-se a imensidade de coisas que cada barcada levava,
sabido que eram muitas as pessoas que seguiam em cada leva. Pois foi lá, na
praia da Torreira, que travei relações com o Mar, esse Mar de que eu mais tarde
tanto ouviria falar, e que tantas vezes vim a percorrer em vários sentidos
através de várias partes do mundo.
O médico tinha recomendado que eu
tomasse banhos de mar, por causa de umas protuberâncias que me apareceram
debaixo dos queixos. Coisas vulgares nas crianças.
Os banhos eram às vezes tomados
ainda de noite, por causa da maré, e debaixo de um frio de enregelar. Mas, logo
que tomava dois ou três mergulhos, começava a aquecer e, quando regressava à
barraca e começava a vestir-me, eu era um braseiro.
………………………………………………………………………………………………
Bem me parecia que não chegava ao
fim deste «Recordando». Esta cabeça não dá nada e sente-se mal com o esforço,
pelo que peço desculpa ao bom Padre Miguel.
Para o próximo número o acabarei…
se Deus quiser.
(in Mensagem de 15 de setembro de
1958)
António Augusto de Miranda
2 comentários:
Acabei de saber onde está a origem do meu pouco apetite por banhos de mar frio...
Então já somos dois, Luís.
Enviar um comentário