Pedindo providências
O troço da estrada 16-2, que liga Albergaria-a-Velha
à ponte de S. João de Loure, passando por Alquerubim, não foi acabada de
reparar durante o último verão no pequeno percurso que vai desta freguesia até
àquela ponte (cerca de 3.500 metros), apesar de a pedra necessária jazer ao
logo da estrada na quantidade precisa e de, segundo consta, haver verba para o
conserto, compreendido o alcatroamento. Passou-se todo o verão debaixo do pavor
de ver chegar o inverno e a estrada por consertar; e, infelizmente, assim
sucedeu: o mês de Outubro começou invernoso, com cariz ameaçador de piores dias
e, por isso, da impossibilidade de consertar a estrada este ano, que já não
tarda muito que acabe.
Ora aquele troço de estrada, no
estado de ruína a que chegou, cheio de covas que, sob a acção das chuvas e do
trânsito dos carros pesados, se transformarão em barrancos intransponíveis, se
assim continua, isolará os povos desta freguesia e de parte da de S. João de
Loure, nas suas comunicações com a sede do distrito.
Isto não é exagero. Toda a vez
que arriscamos o nosso pobre corpo àquela prova de travessia, são dois os
motivos que nos enchem de medo: o de assistir ao desconjuntamento do veículo,
por causa dos saltos que é obrigado a dar, com sério risco para a vida dos
passageiros e a conservação do mesmo veículo, e os estragos que tal prova de
acrobacia causa no nosso corpo, que já não está em idade de poder sujeitar-se
sem dano ao rigor de tal prova. O resultado é desembarcar com os rins
arrasados.
Mas esta situação é
incompreensível. Serviços que tal admitem não são serviços: são de-serviços, o
que, traduzido, significa maus serviços. Ora o Governo não tem, ou não deve
ter, funcionários, a quem paga para o servirem, e que o de-servem. Sim: então
começa-se o conserto de uma estrada num troço que não vai além de uns 6
quilómetros; a verba concedida não dá para acabar todo o troço da estrada, mas
no ano seguinte é concedida a importância necessária para acabar o conserto.
Acarreta-se apedra, que se coloca ao longo da estrada. Entra o verão, passa-se
o verão, e a estrada, que já estava uma lástima, continua a desgastar-se, as
covas a afundarem-se, e a paciência dos transeuntes a esgotar-se e êstes a
perguntarem: então por que se espera? Pelo Inverno?
É verdade. É assim mesmo:
espera-se o inverno para reparar a estrada. O inverno? Isso é ainda um problema
cuja solução se verá, e não se sabe quando.
Sendo assim, como se há-de passar
naquele troço da estrada? Terão os passageiros de desembarcar ao chegarem ao
princípio dos barrancos, para seguirem a pé, atrás do veículo, até encontrarem
a estrada boa, ao fim de três quilómetros e meio, cansados, enlameados,
derreados, atrasados no seu percurso?
Isto fazia-se antes de 1926. Mas
passou à História, graças a Deus. Menos na estrada nacional 16-2, entre
Alquerubim e S. João de Loure.
Decerto o Sr. Director das
Estradas do Distrito de Aveiro não conhece aquilo. Decerto nunca passou naquele
troço de estrada. E é pena, porque se certificaria de que não exageramos no que
afirmamos.
Trata-se de uma estrada nacional
que reveste relativa importância desde o adro da freguesia de Alquerubim, em
que liga com a estrada municipal que estabelece as comunicações da freguesia
com a sede do concelho. A estrada nacional 16-2, ligando no adro com aquela
estrada municipal, dá-nos a ligação com a sede do distrito. Por aqui se vê a
sua importância. Ela é demandada, desde a Malaposta, na bifurcação da municipal
com a nacional n.º 1, através de toda a freguesia de Alquerubim, desde Paus,
até à sua entrada no lugar de Pinheiro, da freguesia de S. João de Loure, de
onde segue até encontrar a Ponte que atravessa o Vouga para o lugar de Horta,
da freguesia de Eixo.
Perante este estado de coisas,
cada vez me lembro com mais saudades daquel grande funcionário, que foi Manuel
Maria Amador. Não era director de estradas, não; era um humilda Chefe de
Conservação. Mas a sua circunscrição era um primor. Nunca aqui assistimos ao
descalabro das estradas, que era uma vergonha antes de 1926. Uma vez, estava eu
casado de fresco, e vivia em Coimbra, desembarquei com a minha mulher em
Mogofores, onde pretendi tomar um carro que nos levasse a Amoreira da Gândara,
a poucos quilómetros dali. Não houve quem se aventurasse à pequena viagem.
Tivemos de ir a pé, e a maior parte do percurso foi feito por fora da estrada,
porque esta era um atoleiro completo.
Isto já vai há bons 42 anos. Pois
o que resta de estradas daquele tempo, da circunscrição de Manuel Maria Amador,
estradas que durante dezenas de anos não levaram conserto de monta, ainda se
devem àquele grande funcionário, que rodeado de uma esplêndida equipa de
cantoneiros, mantinha as suas estradas que eram um mimo. Entre estes
cantoneiros da velha guarda, a minha memória destaca o velho e simpático
Clemente, que morava ali perto de Beduído, acima da Ponte Velha, numa casinha de
pobre, mas rico de qualidades de trabalho e de zêlo pelo cumprimento do seu
dever.
(in Mensagem de 15 de outubro de 1960)
António Augusto de Miranda
1 comentário:
Manuel Maria Amador?!? O meu...trisavô, pois então! Esplêndido! Encontro aqui sempre qualquer coisinha que me desperta a atenção.
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